segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

DROGAS SINTÉTICAS

Carlos Alberto Di Franco - O Estado de S.Paulo
Acabo de regressar da Europa. Uma intensa semana, na Itália e na Espanha, é sempre formidável. Da magia da Piazza Navona ao encantamento da Gran Via, sempre vale a pena. Impressionou-me, na leitura dos jornais e nas conversas com jornalistas e professores, a presença de uma nuvem escura que, aos poucos, vai toldando o horizonte da juventude europeia: o avanço das drogas. Na Europa, e aqui no Brasil, uma nova droga destruidora ameaça a juventude: a cápsula do vento. Trata-se de um pó branco, de aparência comum, mas demolidor. É um derivado da anfetamina e tem propriedades alucinógenas. Seus efeitos podem durar horas. Existem relatos de pessoas que ficaram até uma semana sob efeito alucinógeno dessa substância. O usuário pode ter alterações cardíacas, convulsões, fortes alucinações e chegar à morte.

O uso de drogas ilícitas no mundo vem crescendo, apesar dos esforços mundiais de controle. O aumento no consumo das drogas sintéticas é considerado atualmente pelo Escritório da ONU de Combate ao Crime e às Drogas (Unodc), como "o inimigo público número um". Ao contrário das drogas tradicionais, feitas à base de plantas, as drogas sintéticas são feitas com produtos químicos facilmente obtidos em laboratórios improvisados. O combate é, por isso, muito mais difícil.
O uso das drogas sintéticas hoje é uma questão de moda. Assim como vimos, nos anos 60, o crescimento do uso de LSD e heroína ligado ao movimento hippie, hoje há a cultura da música tecno, que incentiva o uso de drogas como o ecstasy. Essa situação preocupa, porque vai mudar o paradigma do combate às drogas. A prevenção vai ganhar uma importância muito maior do que a repressão.
Nessa década, o maior problema que nós vamos vivenciar é a droga sintética. Principalmente o ecstasy. As prisões de traficantes são um forte indicador da presença das drogas sintéticas e, ao mesmo tempo, revelam um novo perfil do tráfico: jovens universitários, de classe média e alta, compõem o novo mapa do crime. O rosto do usuário também vai sendo perfilado: boa escolaridade, inserido no mercado de trabalho e pertencente às classes sociais mais privilegiadas.
O ecstasy é uma droga estimulante e alucinógena. Segundo o professor Ronaldo Laranjeira, da Universidade Paulista (Unifesp), "ela foi sintetizada para ser um novo moderador de apetite, mas foi descartada pelo laboratório químico que a produziu porque era muito tóxica. Ficou na prateleira por várias décadas e foi redescoberta na década de 70 para ser a droga do amor. Depois se transformou na droga mais usada em discotecas". O ecstasy desencadeia transtornos psiquiátricos como síndrome do pânico e depressão. Costuma vir acompanhado de taquicardia e aumento da temperatura do corpo e tem sido a causa de inúmeras mortes. Segundo Ronaldo Laranjeira, "o grande problema do ecstasy é o dano cerebral que a droga produz, principalmente nos neurônios responsáveis pelo prazer".
O cardápio macabro das baladas, infelizmente, tem sempre novidades. Duas novas drogas foram introduzidas no menu das raves: a ketamina e o GHB. A ketamina, também conhecida por cetamina, ou special K, é um anestésico usado em cirurgias e animais. É um parente químico do ácido lisérgico, o LSD. "O principal efeito que provoca é o desprendimento corporal, o sujeito consegue se dissociar do corpo. O uso frequente da droga pode causar danos na atenção, na memória, no estômago, coração e fígado", alerta o psicólogo Murilo Battisti. O GHB, também chamado de ecstasy líquido, não tem cheiro nem gosto. É perigosíssimo, principalmente quando misturado com álcool. Ambos - GHB e álcool - diminuem muito a atividade do cérebro. Associados, o efeito é ainda maior. O GHB é uma droga fortemente depressora. Pode levar ao coma e induzir ao suicídio.
Como vê, caro leitor, a escalada das drogas é um fato assustador. Enfrentá-la só é possível com informação correta, prevenção e recuperação. Meu objetivo, neste artigo, é ajudá-lo a dar os dois primeiros passos: conhecer o que se passa no ambiente rarefeito de inúmeras discotecas e raves e entender as características devastadoras das novas drogas sintéticas. Só assim, com informação clara e sem eufemismos, você poderá captar eventuais mudanças comportamentais e dar uma orientação segura aos seus filhos. A família, um espaço de carinho, diálogo e firmeza, exige presença do pai e da mãe. Ela é, de fato, o pré-requisito da prevenção. Quando a família fracassa, as políticas antidrogas acabam se transformando no cemitério de boas intenções.
O terceiro passo, a recuperação, é uma indeclinável responsabilidade dos governos. É preciso que os governantes ajudem para valer os serviços especializados e as instituições idôneas que, anonimamente e com grande sacrifício, investem na recuperação de dependentes químicos. Trata-se de um problema de saúde pública. Recuperar é salvar vidas e multiplicar aliados na luta contra as drogas. Um dependente recuperado é o melhor prosélito das campanhas preventivas. Impõe-se que os responsáveis pelo combate às drogas abandonem o conforto de seus gabinetes e entrem em contato com o verdadeiro drama dos adictos. Eu fiz isso. Não considero correto escrever e opinar a respeito de uma realidade distante. Conversei com especialistas, ouvi relatos de dependentes químicos, visitei comunidades terapêuticas que apresentam elevados índices de recuperação, desenvolvi, enfim, um trabalho de reportagem.
Espero que o governo faça a sua parte. Segundo me consta, o Congresso Nacional está decidido a arregaçar as mangas e entrar num autêntico mutirão em prol dos que lutam pela recuperação. A iniciativa, se confirmada, merece os aplausos da sociedade. A dependência química não admite politicagem. Reclama, sim, seriedade e realismo.

DOUTOR EM COMUNICAÇÃO, É PROFESSOR DE ÉTICA E DIRETOR DO MASTER EM JORNALISMO
E-MAIL: DIFRANCO@IICS.ORG.BR

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Depois de 12 anos,29% vivem sem a droga

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Depois de 12 anos, 29% vivem sem a droga

Pesquisa da Unifesp acompanhou 107 dependentes. Deles, 27 morreram e 31 estão abstinentes há mais de 5 anos

16 de fevereiro de 2011 | 0h 00
    Karina Toledo - O Estado de S.Paulo
    Pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) acompanharam por 12 anos 107 dependentes de crack. Após esse período, 40% haviam parado de consumir a droga, 25% estavam mortos, 12% presos e 20% continuavam dependentes. Entre os que ainda faziam uso frequente, mais da metade estava empregada. Do total, 29% estavam abstinentes havia pelo menos cinco anos.

    Os 107 pesquisados passaram por cerca de três semanas de internação no Hospital Geral de Taipas entre 1992 e 1994. Depois da alta, foram submetidos a três avaliações: após 2, 5 e 12 anos. Ao longo desse tempo, verificou-se uma diminuição no ritmo de mortalidade, o que, segundo a principal autora do estudo, a psicóloga Andrea Costa Dias, revela que os usuários se adaptaram ao contexto de violência do crack e desenvolveram estratégias para minimizar o risco associado ao consumo da droga.
    "As mortes por crack são principalmente causadas pela violência. Nossa hipótese é que os usuários foram aprendendo a lidar com a polícia, com os traficantes e desenvolveram estratégias para evitar a overdose e conseguir manter um uso controlado", afirma.
    Os dados da pesquisa, continua Andrea, mostram que há diversos padrões de consumo da substância e contrariam a ideia de que o crack é uma droga avassaladora, que mata em pouco tempo e deixa pouca margem para recuperação. "Existe uma aura de terror em torno da droga que acaba estigmatizando os usuários. Isso faz, por exemplo, que os profissionais de saúde se sintam menos motivados em ajudá-los."
    O psiquiatra Deivisson Vianna, coordenador de um serviço de referência no tratamento de dependentes de álcool e drogas em Campinas, afirma que muitos têm medo de divulgar esse tipo de dado e, com isso, estimular o consumo. "Se por um lado essa política tem o efeito de afastar muitas pessoas da droga, deixa os usuários tão marginalizados que nem nos serviços de saúde eles são bem aceitos. Isso dificulta o acesso ao tratamento."



    Longo prazo. Outra ideia questionada pelos pesquisadores da Unifesp é a de que o tratamento consiste em um período pontual de internação e qualquer recaída após a alta é indício de fracasso. No grupo de dependentes avaliados na pesquisa, a proporção de abstinentes só superou a de usuários após a avaliação de cinco anos - nos primeiros dois anos, a maioria ainda estava usando, mesmo após a alta no Hospital Geral de Taipas. Além disso, muitos intercalaram ao longo dos 12 anos períodos de abstinência e uso da droga. "A internação é apenas uma etapa do processo de tratamento. Geralmente, após um ou dois episódios de internação não há continuidade do tratamento em ambulatórios e isso colabora para recaídas", diz Andrea.
    Segundo a autora, não foi possível identificar os fatores determinantes para a recuperação dos dependentes. Mas verificou-se que a interrupção no uso estava associada à busca por outros tratamentos após a internação no Hospital Geral de Taipas, ao aumento na empregabilidade e a atividades religiosas.
    "Existe uma pressão na sociedade para que os problemas com drogas sejam combatidos como se fossem uma epidemia de dengue ou de febre amarela. Mas, na verdade, é uma doença crônica", afirma Vianna. Segundo o psiquiatra, é preciso tempo e serviços de saúde bem preparados para motivar os usuários a abandonar o vício. "Não dá para fazer tratamento à força."
    Para o cientista social Luiz Flavio Sapori, autor do livro Crack: um desafio social, o dado mais relevante é o alto índice de mortalidade no grupo. "Mais de 30% dos usuários ou morreram assassinados ou foram presos. É um índice muito maior que o de qualquer outra droga e absolutamente preocupante", diz.
    Sapori coordenou um estudo na região metropolitana de Belo Horizonte (MG) e constatou que após a entrada do crack na cidade a p
    orcentagem de homicídios relacionados ao tráfico de drogas saltou de 8% para 33%. "Esta pesquisa, como a minha, mostra que o comércio de crack está muito relacionado à violência urbana. E a maior vítima é o próprio usuário."
    Saúde Pública. Após os 12 anos, 43% dos usuários relataram ter sido presos ao menos uma vez. Em média, o tempo de reclusão foi de 1 ano e 8 meses. "Eles passaram mais tempo presos do que em tratamento. Isso nos faz questionar a política repressiva aos usuários da droga. Essa questão deveria ser tratada como problema de saúde pública", diz Andréa.
    DEPOIMENTOEsmeralda Ortiz, jornalista, cantora e autora do livro 'Esmeralda, por que não dancei'.
    ABSTINENTE HÁ 13 ANOS.
    Os companheiros é que me salvam
    "Só larguei o crack porque desejei muito. Tive o apoio de ONGs, como a Projeto Quixote e a Travessia. Essas pessoas entendiam que o vício é uma doença. Passei a seguir os 12 passos do Narcóticos Anônimos, que frequento até hoje. Aprendi que minha vida está sob minha responsabilidade. Por causa da música e da escrita, comecei a ter perspectiva. Tive uma recaída em 1997. Foi quando toda essa rede de apoio me internou em uma clínica, onde fiquei por um mês. Saí fortalecida. Mas, se sinto que posso recair, ligo para meus companheiros e eles me salvam. É uma luta diária."